Depois de ser derrotado no Iraque e na Síria, o Estado Islâmico está buscando ressurgir em países de maioria cristã na África.
Soldados do exército moçambicano passam por um prédio destruído por insurgentes ligados ao Estado Islâmico em Palma, Moçambique. (Foto: João Relvas/EPA/Shutterstock) |
O Estado Islâmico estava desmoronando no Iraque e na Síria, até que, das selvas do leste do Congo, um jihadista apareceu no YouTube para declarar que califado estava se reagrupando na África Central.
“Convido todos os muçulmanos do mundo a se juntarem a nós no Congo”, disse o homem, que se identificou como árabe e carregava uma metralhadora. “Juro por Deus que esta é a morada do Estado Islâmico.”
Na época, analistas acreditavam que era apenas uma forma do grupo terrorista em ruínas ganhar manchetes. Mas três anos depois, a província centro-africana do Estado Islâmico se expandiu tão rapidamente que o Departamento de Estado dos EUA impôs sanções ao grupo e sua liderança no mês passado pela primeira vez.
Conhecido como ISCAP, o Estado Islâmico na África Central tem militantes baseados no Congo e em Moçambique e se tornou uma das franquias mais mortais do grupo terrorista, de acordo com o rastreador de inteligência SITE, que monitora grupos extremistas em todo o mundo.
Liderada por um veterano jihadista de Uganda, Musa Baluku, a milícia congolesa, anteriormente conhecida como Forças Democráticas Aliadas, ou ADF, matou mais de 849 civis só em 2020, disse o Departamento de Estado americano.
A ascensão do ISCAP mostra como o Estado Islâmico está se expandindo através de grupos militantes, como se fossem franquias locais. Depois de ser impedido de estabelecer um estado autodeclarado na Síria, o Estado Islâmico se injetou em conflitos localizados na Nigéria, Líbia e em toda a faixa do Sahel no oeste da África.
Se antes as incursões eram lançadas em territórios predominantemente muçulmanos, agora está começando a ter como alvo países dominados por cristãos. Não mais prometendo tomar e manter o território, o Estado Islâmico em vez disso adotou táticas de guerrilha, cooptando a liderança local e melhorando o treinamento, táticas e propaganda.
Esses grupos locais agora são aliados do Estado Islâmico, que os usa para fins de propaganda. O EI fornece financiamento e treinamento, mas não dirige suas operações diárias, ao contrário do que fez no califado na Síria e no Iraque, dizem funcionários de segurança ocidentais.
Sanções americanas contra o EI
O Congo, um país com 95% da população cristã e sem tradição de ideologia jihadista, é o exemplo mais extremo. O novo aliado local do Estado Islâmico, o ADF, surgiu de uma rebelião dos anos 1990 por muçulmanos em Uganda, que se sentiam perseguidos pelo regime do presidente Yoweri Museveni.
Sob pressão de Kampala, o grupo se refugiou no leste do Congo, onde agora o ISCAP aumentou de cerca de 200 para 1.500 combatentes, de acordo com a inteligência de Uganda, e se conectou com uma insurgência em Moçambique, que atacou a cidade portuária de Palma em março.
Por causa do cerco de vários dias, no qual combatentes do Estado Islâmico massacraram dezenas de pessoas e provocaram a fuga de milhares através de florestas e manguezais, a petrolífera francesa Total SE foi forçada a evacuar todos os seus funcionários do projeto de US$ 16 bilhões, juntamente com 2.000 refugiados.
Os ataques, ocorridos durante uma missão de treinamento das Forças Especiais dos EUA no país, fizeram soar alarmes no governo de Joe Biden, que está reformulando a política em relação à África e ao Estado Islâmico.
As sanções de março exigem que os bancos congelem os ativos da filial congolesa do EI e seu líder, Baluku, junto com a afiliada de Moçambique e seu comandante, Abu Yasir Hassan, e proíbe qualquer negociação com eles.
As filiais da África Central no Congo e Moçambique estão se tornando cada vez mais integradas — os congoleses agora estão declarando a responsabilidade de ataques em nome de seus aliados moçambicanos, de acordo com um relatório do Programa de Extremismo da Universidade George Washington.
As táticas militares enfatizaram a violência extrema. Em Moçambique, em novembro de 2020, os militantes locais transformaram um campo de futebol de uma vila em um “campo de execução”, decapitando 50 pessoas, segundo a mídia estatal moçambicana.
Depois de testemunhar as execuções, Abdulrahman Ssali, um dos poucos desertores do grupo terrorista, disse que ficou determinado a fugir. Ele se escondeu em um matagal antes de caminhar por sete dias, comendo raízes e bebendo água parada, e então se rendendo ao exército congolês. Um ano depois, entregou-o à inteligência militar de Uganda.
Ele é assombrado pelo tempo que passou no grupo e por deixar sua irmã para trás no acampamento. “Meu pai me enganou, nunca foi minha intenção juntar-me a esses radicais islâmicos”, disse ele, com os olhos em lágrimas. “Agora posso nunca mais ver minha irmã novamente.”