Pastores vão às favelas e prisões para tirar traficantes do crime através do Evangelho: "Queremos salvar almas”.
O pastor Conrrado Sena, líder da Equipe 91, lidera um culto no Acre. (Foto: Avener Prado/El País) |
Nos pontos mais violentos do tráfico de drogas do Brasil, pastores que já tiveram um passado na criminalidade tem buscado resgatar pessoas do tráfico através do Evangelho.
Em Rio Branco, no Acre, um grupo formado por 70 pastores que tiveram um passado na criminalidade tem resgatado pessoas desde 2012, através da Equipe 91 — uma referência ao Salmo 91.
“Nosso trabalho é salvar almas”, disse Francisco Ferreira da Conceição, um dos principais líderes da Equipe 91, conhecido como Ferreirinha, em entrevista ao VICE World News. “Fazemos isso somente pela fé. Não somos pagos para fazer o que fazemos”.
Por ser fronteira com a Bolívia e o Peru, o Acre é um território muito disputado por facções brasileiras por fornecer acesso estratégico ao comércio internacional de drogas. Entre 2007 e 2017, o número de homicídios aumentou 276,6% no Acre devido às disputas do tráfico de drogas na região, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do Brasil.
Mas através do trabalho da Equipe 91, os líderes das facções permitem a saída de membros que tenham se convertido, sendo orientados por um pastor do ministério.
De acordo com a reportagem de Mariana Simões para o VICE, os novos crentes devem gravar um vídeo no celular relatando sua conversão. Eles especificam quem são, a que facção pertencem e explicam que querem começar uma nova vida com Deus. Os vídeos são enviados para líderes de facções locais, que firmam um acordo informal de saída.
Nos últimos quatro anos, Ferreirinha disse que gravou mais de 2.500 vídeos de conversão, todos armazenados em pen drives. “Os [barões do tráfico] sabem que vão acabar sendo forçados a deixar o mundo do crime. Eles nos respeitam porque sabem que somos a única saída, caso um dia precisem”, explica o pastor.
Igreja é uma porta de esperança
Há quatro anos, Ferreirinha era o líder do B13, facção de destaque no Acre. Depois de passar 30 anos no tráfico de drogas e entrar e sair da prisão 25 vezes, ele reconheceu que precisava de uma mudança.
“Três semanas antes de eu aceitar Jesus, membros de facções rivais tentaram me matar quatro vezes”, lembra Ferrerinha. Durante uma dessas tentativas, sua casa foi alvo de uma rajada de balas que o forçaram a sair correndo com dois de seus filhos debaixo do braço.
“Meu filho se virou para mim e disse: 'Papai, eles estão atirando em você'. Naquele momento, Deus entrou no meu coração e eu prometi a Ele que se nos deixasse sair com vida, eu deixaria essa vida para sempre e me concentraria em criar meus filhos”, disse Ferreirinha ao VICE.
A milhares de quilômetros de distância do Acre, existem dezenas de ex-criminosos que foram transformados pelo Evangelho e também atuam para resgatar pessoas do crime.
O pastor William Souza, de 42 anos, fundou há nove anos a Comunidade para Restaurar Vidas na favela de Acari, considerado um dos bairros mais pobres do Rio e o terceiro entre os piores índices de desenvolvimento humano (IDHs) da cidade.
“Como vamos conquistar uma favela como esta? Vemos o traficante na esquina e levamos a ele a palavra de Deus”, pregou William em uma noite de sábado, no culto inaugural do novo espaço da igreja, no fim de março.
Muitos daqueles que estão envolvidos no tráfico de drogas recebem a permissão de deixar o crime quando se tornam religiosos. Foi o caso do pastor Carlos Eduardo Gomes Oliveira, de 38 anos, que se envolveu no tráfico com apenas 12 anos de idade.
Carlos ganhava um bom dinheiro embalando e distribuindo drogas, mas desistiu da criminalidade há sete anos, quando a polícia atirou contra ele e dois outros membros da facção durante uma operação. Seu amigo, no entanto, não resistiu aos ferimentos.
O pastor William passou a fazer visitas frequentes a Carlos, que acabou se convertendo ao Evangelho. Na época, o ex-líder do Terceiro Comando Puro, conhecido como Capilé — preso em 2018 — não questionou a decisão.
“O Capilé apenas me pediu para fazer uma coisa por ele em troca. Ele me pediu para orar por ele”, lembra Carlos. Hoje, Carlos faz o mesmo porta a porta para levar o Evangelho a outros traficantes.
Christina Vital da Cunha, membro do Instituto de Estudos Religiosos (ISER), estuda religião em comunidades de baixa renda no Brasil desde 1996. Ela disse que a igreja evangélica fornece uma estrutura e “um plano real” para traficantes de drogas que desejam mudar suas vidas. “Existem muito poucas alternativas sendo oferecidas fora da Igreja para a esperança de uma vida melhor”, observa.
O fundador da Equipe 91, Conrrado Sena, é prova disso. Tendo sido um dos mais notórios ladrões de banco do Brasil, Conrrado disse que se envolveu no crime porque não via outra maneira de sobreviver. Criado no bairro de baixa renda de Cadeia Velha, seis de seus oito irmãos já cumpriram pena.
Mas Conrrado encontrou sua verdadeira vocação enquanto estava na prisão. “Eu ouvi uma voz me dizendo para ler a Bíblia. E mesmo sem saber ler, de alguma forma, peguei e entendi o que dizia”, lembrou.
Ele foi preso em 2000 e permaneceu na prisão por 12 anos. “No início da minha pena, padres católicos sempre visitavam a prisão. Então, com o tempo, eles desapareceram e os evangélicos começaram a chegar. Todos nós sentimos que [os evangélicos] eram diferentes. Eles se envolveram mais”, comentou.
Evangélicos na linha de frente
Dos 40 líderes religiosos que visitam as prisões do Acre hoje, 30 são pastores evangélicos. “Temos investido em parcerias com igrejas porque ajuda a criar um ambiente mais estável e respeitoso dentro das prisões. Embora estejamos abertos a todas as religiões, apenas a igreja evangélica tem nos procurado para desenvolver ainda mais nosso programa”, disse Liliane Moura, diretora do Programa de Assistência Religiosa da Prefeitura do Acre.
Dentre mais de 6.130 presos no sistema penitenciário do Estado do Acre, os religiosos podem ser transferidos para uma seção separada na prisão, onde podem crescer em sua fé. Em parceria com o governo, a Equipe 91 tem realizado cultos e círculos de oração com os presos, além de fornecer um sistema de apoio para aqueles que são liberados.
“Hoje não faço mais parte de uma gangue. Entreguei minha vida a Cristo”, disse um presidiário que pediu para permanecer anônimo, filmado no Complexo Penitenciário Francisco de Oliveira Conde, no Acre, no final de março.
O detento, que deveria ser libertado um dia após a gravação, pediu à Equipe 91 que divulgasse que ele não tinha intenção de retornar à vida do crime depois de sair. “Eu quero pedir perdão. Eu só quero cuidar da minha família e abraçar Jesus.”