“É uma honra ser algemado por causa de Cristo”, diz missionário preso por distribuir Bíblias

Em uma live com o Portal Guiame, o missionário V. J. relatou experiências da missão desenvolvida por ele e sua esposa no Oriente Médio.

O missionário V.J. participou de uma live com o Guiame, falando sobre suas experiências impactantes, vivenciadas no Oriente Médio. (Imagem: Guiame / Reprodução)

Levar a mensagem do Evangelho a grande parte do Oriente Médio não é uma missão fácil. Os riscos e perigos que esse chamado traz consigo tornam esse trabalho passível de prisão e até morte, por serem nações hostis ao cristianismo.

Mas para V. J.*, nem mesmo todos esses perigos foram suficientes para intimidar o chamado que ele sentiu em seu coração aos 18 anos, para evangelizar em um país da Península Arábica.

“No primeiro ano da faculdade de Educação Física, organizei uma viagem missionária com os meus melhores amigos. Fomos ao Paraguai, para ajudar um campo missionário da APMT [Agência Presbiteriana de Missões Transculturais]. Ficamos 30 dias por lá, ajudando com teatro, coreografia, bandas de música, Escola Bíblica de Férias”, contou ele durante uma live feita pelo Portal Guiame na última sexta-feira (17).

Mas apesar de já estar maravilhado com tudo o que acontecia no Paraguai, segundo ele, algo extraordinário ainda estava por acontecer.

“Nessa cidade do Paraguai, pegavam alguns canais de televisão do Brasil. E na hora do jantar estava passando o Jornal Nacional e eles falaram assim: ‘Esta semana vamos fazer uma reportagem especial sobre o Afeganistão”, contou. “Falaram sobre o regime Talibã, que exercia o papel político do país e eles estavam oprimindo muitas pessoas com uma guerra civil. Aquilo me incomodou muito. Fui para o quarto, fechei a porta e comecei a orar”.

Durante toda a semana, aquela série de reportagens falou sobre violações de direitos humanos no Afeganistão e na sexta-feira foi falado sobre o Islã.

“Todo dia eu estava entrando no quarto e orando. Na sexta-feira eu entrei e comecei a clamar aos prantos: ‘Deus, manda missionários para esse lugar, porque as pessoas lá estão morrendo sem conhecer Jesus’. Então, Deus falou ao meu coração: ‘Mas por que você não vai?’”, relatou o missionário.

Início do Ministério na Península Arábica

Antes de ir para o país da Península Arábica onde evangelizou por cerca de 10 anos, V. J. se formou em Teologia pelo Seminário Presbiteriano JMC e também em Missiologia pelo CFM. Junto à sua esposa, passou a se informar sobre o país para o qual seria enviado e entendeu melhor o contexto local.

“A região do Golfo é mais tranquila com relação a conflitos. Então, você não vê homens-bomba, guerras, mas ainda assim, possui certa instabilidade, principalmente com relação à pregação do Evangelho, porque é algo proibido lá”, explicou.

Apesar do país não ser assolado pelo terrorismo, a intolerância religiosa ainda é uma realidade e isso já bastava para que o trabalho do casal missionário resultasse em meses ou até anos na prisão.

“A gente se sentia assim: ‘Será que eles vão descobrir?’, ‘Será que tem alguém me vigiando?’. A gente se sentia com uma neura muito grande no início”, relatou.

V. J. explicou que com o tempo, ele e sua esposa aprenderam a identificar melhor os sinais de ameaças e assim desenvolver melhor seu trabalho naquele país.

“Com os anos, a gente vai vendo que existem coisas assim, mas não era tudo aquilo que eu estava imaginando. Foi meio difícil, mas nada impossível. Deus deu muita força, nos capacitou. A gente teve muito mais momentos felizes e agradáveis que tristeza medo e pânico”, disse.

Evangelizando pelo testemunho

O pastor e missionário contou que a principal estratégia de seu ministério naquela região era o discipulado. Porém, como era uma região hostil ao Evangelho, esse trabalho exigia uma aproximação anterior à pregação da Palavra com o uso da Bíblia.

“As pessoas no Brasil nos perguntam: ‘Mas qual era a estratégia? Evangelismo explosivo? As 7 Perguntas?’ Mas eu falava: ‘Não, gente. A principal estratégia é o discipulado’. E as pessoas perguntavam: ‘Então, é convidar as pessoas para sentar junto e estudar a Bíblia?’. E eu falei: ‘Não’”, revelou.

V. J. explicou que a estratégia de se aproximar pela convivência de pregar se adequava ao contexto onde estava vivendo, porque caso se precipitasse em fazer uma apresentação mais explícita do Evangelho com a Bíblia, isso poderia levá-lo à prisão. Mas ao fazer isso pela aproximação gerada pela amizade, isso gerava mais segurança.

“Eu falava de Jesus quando as pessoas me perguntavam e quem me perguntava eram os meus amigos. Eles viam uma diferença de vida. [...] Eles me perguntavam: ‘O que você tem de diferente?’ e eu respondia: ‘É Deus na minha vida’. E eles insistiam: ‘Mas que Deus é esse?’. Então, como ele já é meu amigo, respondo para ele, porque ele não vai me denunciar”, contou. A partir de então, “além de jogar futebol e sair juntos, a gente também se reunia para ler a Bíblia juntos”.

Preso devido às Bíblias clandestinas

Outro projeto desenvolvido por V. J. na região onde atuava como missionário, foi a distribuição clandestina de Bíblias, pois ele sabia bem o poder que tem a Palavra de Deus.

“Eu sabia que a Bíblia, como Paulo diz, é o poder para Salvação. As pessoas vão ler e o Espírito Santo vai tocar. Então, eu decidi entregar Bíblias na madrugada, para que as pessoas tivessem a oportunidade de conhecer a Palavra de Deus”, explicou.

Ele contou que usava de diversas estratégias para se esquivar da fiscalização e evitar ser preso. Mas mesmo com tanto cuidado para manter segredo sobre seu trabalho, após tantos anos desenvolvendo esse projeto de entrega de Bíblias e vivenciar inúmeros livramentos, a polícia acabou o encontrando.

“A única vez que a gente distribui Bíblias e nada de estranho aconteceu foi exatamente a vez que tudo aconteceu”, explicou o missionário. “Porque a rede social ajudou muito, mas também atrapalhou muito”.

V. J. explicou que um dos moradores que recebeu a Bíblia em sua casa, publicou um breve vídeo, denunciando que havia alguém na região fazendo esse trabalho clandestino. As imagens rapidamente viralizaram e chegaram às notícias locais. Enquanto muitas pessoas se mostravam sedentas, querendo receber as Bíblias em sua casa, outras faziam ameaças de morte a quem estivesse fazendo a distribuição das Escrituras.

Primeiramente, um amigo que o ajudava na distribuição foi intimado pela polícia secreta a depor. As autoridades já haviam descoberto sua participação no trabalho e ele foi forçado a assinar um documento, “confessando” sua ação. Mas foi apenas advertido. Ele avisou sobre o ocorrido a V. J., que na época estava de férias no Brasil e o missionário se preparou para uma intimação. Porém, quando a polícia chegou a V. J. o tratamento foi completamente diferente.

“Eles chegaram para mim e perguntaram: ‘Você sabe por que está aqui?’ e eu respondi que não. E eles insistiram: ‘Ah, você não sabe porque está aqui?’ e eu continuei: ‘Não. Vocês me ligaram’. E eles comentavam: ‘Já vi que esse aí gosta de joguinhos’”, relatou.

Como seu amigo já havia lhe alertado, V.J. acabou recebendo um preparo da agência missionária sobre como se portar no interrogatório. A polícia secreta o acusou de ter violado uma lei recente do país, que proibia a influência de pessoas a deixarem o Islã.

O missionário contou que o interrogatório se revelou uma verdadeira investigação para descobrir até mesmo quem eram as pessoas que ele tinha evangelizado, mas ele se manteve firme e não entregou ninguém.

“Se você não quer falar sobre isso, vai ser preso”, disse um dos policiais.

“Tudo bem. Eu vou ser preso”, respondeu o missionário.

“Você reage assim a uma prisão?”, questionou o oficial.

V. J. então contou a história de Saulo de Tarso, que foi um grande perseguidor de cristãos no Novo Testamento e alegou que aqueles policiais não estavam o perseguindo, mas sim perseguindo a Cristo.

“Você vai ter que se ver com o meu Deus e para mim é uma honra enorme, um privilégio, ser contado com aqueles foram algemados por conta do Reino de Deus. Então, me desculpa, com todo respeito, mas você está me fazendo um favor e é uma alegria imensa poder ser algemado por conta de Cristo”, respondeu.
V. J. acabou passando cerca de 10 dias preso e sofrendo diversos tipos de tortura psicológica, nas quais ameaçavam sua esposa e sua filha recém-nascida. Ao ser libertado, descobriu que sua esposa havia sido alertada sobre as ameaças e conseguido fugir para o Brasil com a ajuda de amigos.

Posteriormente, ele também voltou ao Brasil, onde junto à sua esposa e filhos, se prepara para uma possível volta ao Oriente Médio, após uma normalização do período de pandemia do coronavírus.

Clique no vídeo acima para conferir a live completa com V.J.

*Nome com iniciais, adotado por medidas de segurança dos envolvidos neste relato.

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