Em entrevista ao Guiame, o pastor Carlito Paes falou sobre a missão da igreja brasileira em um mundo polarizado.
Pastor Carlito Paes em entrevista ao Guiame. (Foto: Guiame/Marcos Paulo Corrêa) |
Cuidar das ovelhas, atender os necessitados e pregar o Evangelho. Para o pastor Carlito Paes, esta deve ser a prioridade dos líderes evangélicos em um momento marcado por polarizações políticas e sociais.
Paes, que é pastor sênior da Igreja da Cidade em São José dos Campos (SP), teve que fechar o templo por 95 dias devido às medidas de saúde da Covid-19, mas viu sua igreja florescer e se manter ativa.
“Se essa pandemia fez com que uma igreja fechasse, ela já estava doente antes da pandemia”, disse Paes em entrevista ao Guiame, durante a conferência Voz dos Apóstolos, sediada na Igreja da Cidade.
“Alguns disseram: ‘A pandemia acabou com meu casamento’. Eu discordo. As circunstâncias não nos determinam, mas sim a nossa fé. Se eu tenho uma fé forte e saudável, para a igreja e para a família, a tempestade pode vir e me balançar, mas lá na frente saio mais forte”, observa.
A pandemia tirou o foco dos eventos
Embora a pandemia de Covid-19 seja um dos maiores desafios da igreja pós-moderna, Carlito Paes acredita que “oportunidades” foram apresentadas para alinhar o Corpo de Cristo.
“As igrejas estavam muito focadas em só fazer eventos, havia muito mercantilismo no meio gospel. E percebemos que podemos fazer mais com menos. Os eventos são importantes — eu faço eventos. Mas o evento tem que vir acompanhado de um propósito, se não fica o evento pelo evento, e quando acaba vira vento”, avalia o pastor.
“Como pastor de igreja local, percebi que podemos cortar custos para maximizar mais recursos para missões, ações sociais e equipar os santos para a obra do ministério”, acrescenta.
Assista a entrevista completa:
Apesar da discussão jurídica sobre a igreja ser ou não uma atividade essencial, Paes lembra que as restrições podem até impactar o funcionamento dos templos, mas não da Igreja de Cristo.
“Não é o STF que determina se a Igreja é relevante ou não. Eles podem tomar decisões jurídicas sobre o funcionamento de uma organização que tem CNPJ, mas a Igreja é um organismo espiritual. Seja nas casas, nas ruas ou nas praças, é a Igreja do Senhor e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”, destaca.
Igreja, política e o papel bíblico
Em um mundo onde pessoas se dividem entre lados opostos, especialmente no “campo de guerra” das redes sociais, o pastor lembra da mensagem de reconciliação do Evangelho. No entanto, ele alerta que é preciso construir pontes, sem negociar os valores da Palavra de Deus.
“Nós somos o povo da ponte, da reconciliação de Deus Pai com os filhos perdidos. A igreja tem essa missão”, explica. “Mas a linha é fina. Você pode ser tão amoroso que confunda amor com conivência. Você pode ser tão focado em unir as pessoas que você une pecados. Então é preciso agir com base na Bíblia — que é nosso parâmetro e aponta nossos limites — e no Espírito Santo — que testifica se eu devo fazer uma ponte ou não.”
Além disso, Paes aconselha que os pastores coloquem seu foco no “rebanho”, e não no ativismo político.
“Se eu deixar de cuidar do meu aprisco para ir fazer política fora da igreja, eu vou deixar faltar dentro da igreja. Eu vou deixar o papel do pastor ausente, e do político presente. Os políticos não vão deixar de fazer o trabalho deles para pastorear as igrejas. Eu sou pastor, então meu primeiro papel é cuidar das minhas ovelhas, equipar os santos, treinar os líderes e cuidar dos mais necessitados (o pobre, a viúva, o estrangeiro e o órfão)”, destaca.
“Posso e devo ter uma voz política cidadã, independente de partidos; uma voz de consciência, mas sem perder o foco pastoral”, acrescenta Paes. “Tentar fazer as duas coisas é complicado, porque a mistura de púlpito e palanque é explosiva.”
O chamado da igreja brasileira
Ao analisar o momento atual da igreja brasileira, Carlito Paes lembra que “vivemos em uma era escatológica”, onde tudo se prepara para a volta de Jesus.
“A Bíblia diz que antes desse dia haverá uma grande colheita para o Evangelho. Então a Igreja precisa estar preparada, saudável, focada no evangelismo, nas missões e nas ações sociais. Eu quero viver isso na minha geração e aproveitar essa grande oportunidade de colheita”, afirma o pastor.
No entanto, ele lamenta o fato de nem todas as igrejas terem este foco. “A igreja brasileira é um grande mosaico. Há igrejas fazendo essa leitura e se preparando, e há igrejas vivendo em uma bolha, achando que todo mundo é contra ela”, observa.
“Nós temos que saber que o mundo jaz no maligno; eu não posso esperar comportamento convertido de quem ainda não conhece Jesus. Eu tenho que tratar o mundo com graça, amor e misericórdia e saber que eles ainda não conhecem a verdade do Evangelho. E é por isso que estamos aqui; somos sal da terra e luz do mundo. Se não fosse assim, já teríamos sido arrebatados”, continua.
Conexão com os jovens sendo perdida
Para o pastor Carlito Paes, grande parte das igrejas pentecostais e neopentecostais — que formam maioria no Brasil — estão perdendo o diálogo com a juventude.
“Hoje, ao chegar nas maiores igrejas do Brasil, observamos que elas estão com meia idade ou até acima. Isso mostra que se não é feito um trabalho de alcançar a juventude e rejuvenescer a igreja, ela terá prazo de validade”, opina.
Um exemplo citado por ele é a “polarização política”, algo que tem afastado os jovens das igrejas. “Nós perdemos ao pregar uma verdade sem amor, mal comunicada”, afirma. “Eu não posso chegar no céu e o Senhor Jesus me dizer: ‘Parabéns, você ganhou todos os argumentos apologéticos, mas perdeu todas as pessoas’. Eu acredito que é uma hora de releitura”.
Ele também citou o problema do tradicionalismo religioso, um movimento que aconteceu na Europa, passou pelos Estados Unidos e também está chegando no Brasil. “O tradicionalismo é a fé morta dos que já vivem, a tradição é a fé viva dos que já morreram. Há igrejas que, se o século 20 voltar, elas estão prontas. Mas estamos perdendo a juventude”.
Portanto, Paes faz uma leitura: “Temos a igreja brasileira que é um mosaico, temos a igreja tradicional histórica engessada pelo tradicionalismo, mas também temos uma igreja de massa que virou um supermercado de pessoas”.
Com estes problemas, o aumento do número de desigrejados ressentidos se torna um efeito colateral, pontua o pastor. “Estamos gerando uma massa afastada da igreja evangélica que está doente e generalizando tudo”, lamenta.
Por fim, Paes lembra que independente das dificuldades enfrentadas ao longo da história, a Igreja sempre vence. “São 21 séculos de Igreja. As denominações e igrejas locais são nossa parcela dos homens, mas a Igreja é do Senhor Jesus Cristo. O Brasil precisa da transformação que Jesus pode dar através da Igreja!”