Em entrevista ao Guiame, o missionário Adriano Aoki contou os desafios da missão em um dos países mais resistentes ao cristianismo.
Batismo nas águas da AD Tsurugashima Japan em 2021. (Foto: Adriano Aoki). |
Nos últimos anos, o Japão, um dos países mais resistentes ao Evangelho, está experimentando um crescimento do cristianismo através dos chamados missionários dekasseguis (descendentes de japoneses que migram para trabalhar temporariamente no país), incluindo brasileiros.
Os dados oficiais não apontam para um crescimento expressivo do número de igrejas — em 2009, havia 4,3 mil organizações ativas, apenas 400 a menos que em 2019. No entanto, fora das estatísticas, imigrantes impulsionaram uma onda de novas igrejas evangélicas brasileiras.
O pastor Adriano Aoki, um brasileiro da terceira geração na linhagem japonesa de sua família, é um desses missionários que está pregando o Evangelho nas terras áridas do Japão. Em 2012, Aoki e a esposa Talita desembarcaram no país asiático como missionários, cumprindo a chamada de Deus feita desde sua infância.
“Aos 4 anos de idade, meus pais recebem de Deus uma promessa sobre o Japão, envolvendo toda nossa família para este campo missionário”, contou Adriano em entrevista exclusiva ao Guiame.
Renunciando uma vida estável e bem sucedida no Brasil, o missionário se mudou repentinamente com a esposa para o Japão.
“Já tinha 2 anos de casado, pronto para iniciar minha pós-graduação e em breve assumir a supervisão do setor onde trabalhava. Em uma noite, meu coração fecha completamente para o Brasil e o Senhor fala comigo que era hora de regressar ao Japão, mas dessa vez para realizar sua obra”, lembra Adriano.
Como descendente japonês, ele já havia morado no país a trabalho, como todo dekassegui. Porém, hoje, Aoki já não se considera mais um missionário dekassegui, porque fez do Japão sua casa e missão definitiva. Em 2019, sua filha Arisa nasceu na Terra do Sol Nascente.
Adriano lidera a Assembleia de Deus Japan, na cidade de Tsurugashima, na região metropolitana de Tokyo, uma igreja missionária da AD Ministério do Belém de Ribeirão Preto (SP).
Barreiras culturais e desafios no campo missionário
Em sua experiência missionária no arquipélago japonês, o pastor Adriano disse que, embora os dekasseguis tenham impulsionado o Evangelho, o número de evangélicos continua baixíssimo.
Apenas 1% da população é cristã, incluindo católicos, em um país com 125,8 milhões de habitantes. Alguns missionários consideram que os japoneses podem ser classificados como um povo não alcançado.
“Há uma expansão do Evangelho, pessoas se convertendo ao Senhor, japoneses se convertendo, mas ainda o percentual é muito pequeno. As conversões maiores aqui são entre estrangeiros”, explicou o missionário.
Assim como a maioria das igrejas evangélicas no Japão, a congregação de Aoki é formada em sua maioria por descendentes brasileiros e imigrantes bolivianos e peruanos. A evangelização dos japoneses nativos é um grande desafio para os missionários.
Adriano explica que embora exista liberdade religiosa, os japoneses ainda são muito fechados para o Evangelho devido a barreiras históricas e culturais. “Em séculos passados, o cristianismo foi banido do Japão por algumas vezes, e muitos para não serem perseguidos na época, se introduziram no budismo, xintoísmo e de forma secreta, professavam sua fé”, afirmou.
Segundo o teólogo Luiz Sayão, entre os japoneses há um sentimento de suspeita em relação à fé cristã, porque na história do país o cristianismo foi visto como estratégia de conquista. No século 16, os jesuítas chegaram ao arquipélago na época do colonialismo europeu. Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, uma nação cristã, lançou uma bomba na cidade de Hiroshima, matando 80 mil pessoas instantaneamente.
“Marcado pela cultura ocidental, o cristianismo é visto como estrangeiro, bom para os outros e não para o Japão”, ressaltou Sayão, em postagem no Instagram.
O pastor Aoki cita outras duas razões culturais para a falta de abertura dos japoneses para o cristianismo: o idioma e a religião pagã.
“A língua japonesa ainda é uma grande barreira enfrentada por muitos missionários aqui. Diferente da língua portuguesa, aqui há três formas de escritas e a linguagem que é usada no trabalho secular é diferente para o uso da pregação do Evangelho, que é uma linguagem altamente polida e difícil, que até japoneses têm dificuldades para compreender”, destacou Adriano.
Ao Deus desconhecido do Japão
Segundo o missionário, a cultura religiosa pagã é predominante em todo arquipélago, principalmente do budismo e xintoísmo. Segundo o Shukyo Nenkan de 2019, o relatório religioso anual da Agência de Assuntos Culturais do Japão, há 84 mil organizações xintoístas (46,9%) e 77 mil budistas (42,6%).
“Desde criança, os japoneses têm o costume de ir aos templos xintoísta e budista pelo menos uma vez ao ano (1° de Janeiro) para pedir um ano próspero, e mantém a tradição do culto aos mortos”, afirmou.
No Japão, é comum as casas terem altares para os familiares falecidos, onde deixam comida e rezam, acreditando que os entes ainda estão em seus lares. O país com um dos maiores índices de suicídio do mundo, ligados a pressão social por sucesso, também sofre pressão espiritual, segundo Aoki.
“Há uma pressão emocional muito grande, o dia a dia aqui é muito corrido, as cargas elevadas de trabalho, apesar de ter sofrido algumas alterações. A pressão familiar também é muito grande. Nas famílias japonesas são frios e duros. Não há um calor afetivo como vemos entre as famílias brasileiras”, relata.
O líder acrescentou que apenas em 2021, foram registrados 20.830 suicídios, uma média de 57 por dia.
“Vez ou outra recebo notícias de que algum japonês se jogou na linha do trem. Não é só saúde emocional, o Japão tem uma pressão espiritual muito grande, quem vive aqui sabe. Nas fábricas, no ambiente de trabalho, com frequência os japoneses dizem que vêem ‘obakês’ (fantasmas). Orem pelo Japão. Tudo isso tem afetado o emocional dos japoneses”, destacou o missionário.
Aoki também cita que a evangelização pessoal também é um dos desafios para os missionários, devido a cultura mais reservada do povo japonês. Antes de apresentar o Evangelho, é preciso primeiro construir a confiança e uma amizade com o não crente.
“E mesmo assim, não é fácil convertê-lo a Cristo. Até hoje, cultivo a amizade de 5 anos com um nativo, falo de Jesus pra ele, leio a Bíblia em japonês, prego, mas ainda não houve uma conversão, mas Deus está trabalhando”, contou.
“Introduzir o Evangelho para os japoneses é um grande desafio, somente o Espírito Santo para conceder momentos especiais e estratégicos para falar do amor de Deus. Semelhante a ocasião do apóstolo Paulo no Areópago, quando disse: ‘Ao Deus Desconhecido'. Esse desafio está sendo superado com a ajuda de Deus”, avaliou Adriano.
Escassez de missionários e alto custo de vida
Ao contrário do que muitos imaginam, a vida de um missionário no Japão não é mais fácil por estar em um país desenvolvido. Adriano destaca que um dos maiores desafios do campo é a escassez de obreiros capacitados para o trabalho missionário.
“O Japão é carente urgentemente de obreiros integrais”, revelou. “Na maioria das vezes, o missionário é o que faz absolutamente tudo: a locação do templo, abre a igreja, organiza o local do culto, arruma o som e projetor. Quando sabe tocar algum instrumento ele toca, canta, prega, colhe a oferta, limpa o local e ainda é o último a sair. Além de outras atividades eclesiásticas que precisa realizar para atender o trabalho do Senhor”.
Segundo o líder, existem aqueles que ajudam, porém não possuem muita disponibilidade por causa do trabalho, somado ao despreparo teológico em missões transculturais, que também é um problema comum no Japão.
A falta de missionários é uma consequência do alto custo de vida, fazendo com que muitas igrejas não consigam manter um obreiro integral no país asiático. O pastor Adriano conta que muitos missionários precisam trabalhar longas jornadas.
"O investimento financeiro para o sustento do missionário é quase zero. Por isso, muitos de nós trabalhamos de 10 a 12 horas por dia para nos manter aqui, sem isso é impossível. Há trabalhos aqui que mantém obreiros integrais, mas o número é mínimo e é desafiador”, explica.
Trabalhando em uma fábrica para sustentar a família, Aoki também fez do trabalho seu campo missionário. “São de 11h a 12h de trabalho diário. É bem cansativo, mas é um local onde estamos em contato direto com os nativos e de outras nacionalidades, em algum momento sempre tenho oportunidade de falar de Jesus”.
Nova geração e esperança de crescimento
As inúmeras dificuldades culturais e financeiras não tem desanimado os missionários no Japão. Com perseverança e graça, eles continuam semeando a Palavra em solo japonês.
"Nós missionários da igreja brasileira estamos somando forças para evangelizar a fim de que o Japão conheça o Senhor Jesus Cristo, pois é tudo que eles precisam”, comentou Adriano.
Aoki disse que acredita em um grande avanço no Evangelho no país para os próximos anos, através da nova geração de cristãos, que está ajudando a ultrapassar as barreiras da língua e da cultura na evangelização.
“Há uma nova geração surgindo, filhos de missionários que hoje falam japonês fluentemente, estão nas escolas e universidades. Temos visto um grande mover de Deus para os próximos anos. Cremos que Deus há de salvar os nativos desta nação”, declarou o líder.
Por fim, o missionário Adriano Aoki faz um chamamento aos cristãos brasileiros: “Continuem orando pelo Japão, não só orem, mas faço um apelo: aceitem o desafio de virem ao Japão para fazer missões. Quem está disposto a abrir mão e vir pra cá atender o chamado de Deus?”.