Páscoa é um momento de união em meio a quadros de guerras, instabilidade política e perseguição.
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Cristão copta na Igreja da Caverna, no Cairo, Egito. (Foto: IMB) |
Nesta Páscoa, cristãos de várias vertentes celebraram a ressurreição de Cristo no mesmo dia. Porém, o Oriente Médio, berço do cristianismo e lar das comunidades cristãs mais antigas do mundo, vive tempos de incerteza. O The Media Line divulgou uma reportagem sobre o assunto.
“Não há um futuro claro para as comunidades cristãs”, disse Andrea Pacini, padre da Arquidiocese de Turim e professor na Faculdade de Teologia do Norte da Itália. “O Estado pode oferecer alguma proteção, mas a guerra, a instabilidade política e o medo de perseguição continuam a tirar essas pessoas da região.”
De acordo com Pacini, houve três grandes ondas de declínio do número de cristãos no Oriente Médio: a conquista islâmica árabe, a partir do século VII; as catástrofes humanitárias do século XX, como o Genocídio Armênio e os conflitos entre Turquia e Grécia, além da crise migratória do século XXI, gerada pelo colapso econômico e novas dinâmicas culturais e políticas.
Ele observou que, com o tempo, as pressões levaram à conversão a outra fé ou abandono do antigo lar. “Hoje, há mais cristãos de origem do Oriente Médio vivendo no exterior do que na região que nasceram. “Se essas comunidades desaparecerem, a região perderá não apenas igrejas e locais religiosos históricos, mas também a memória viva da origem do cristianismo.”
O Dr. Bernard Sabella, professor aposentado de sociologia da Universidade de Belém, também lamentou o rápido declínio dos cristãos no Oriente Médio, observando que eles compõem uma das comunidades religiosas “mais antigas do mundo.”
“Os copta no Egito são cerca de 12 milhões. Os assírios no Iraque costumavam passar de 1,3 milhão e hoje são uns 300.000. Os maronitas no Líbano ainda representam um terço da população. No total, há cerca de 15 milhões de cristãos nessa região”, disse Sabella. “Precisamos de paz de verdade, não apenas entre governos, mas também entre as pessoas. Sem isso, as minorias continuarão indo embora. Precisamos de uma visão política que inclua a todos: cristãos, yazidis e curdos. Caso contrário, toda a região ficará enfraquecida.”
Pacini observou as fortes diferenças nacionais. “Cristãos em Israel, como os de origem árabe, em cidades como Nazaré ou Haifa, têm estabilidade social e econômica, mesmo que eventualmente enfrentem dificuldades. Em contraste, cristãos vivendo nos Territórios Palestinos, Iraque e Síria passam por situações muito mais difíceis.”
Síria
A Síria, por exemplo, viu sua população cristã cair 75% desde 2010. O padre Hugo Fabian Alanis, missionário argentino que está há oito anos na cidade síria de Aleppo, alerta que uma nova onda de medo surgiu após a queda do ex-presidente sírio Bashar al-Assad.
A igreja do Padre Alanis, da missão católica latina, administra escolas, dormitórios, programas de alimentação e clínicas de saúde para os moradores locais, especialmente idosos e estudantes universitários. Entregam refeições diárias para 300 idosos em Aleppo que não podem sair de casa. “As pessoas não são atendidas nas necessidades básicas, nem aquecimento no inverno, nem água quente”, lamenta.
“Como cristãos, estamos todos aqui. Como igreja, estamos tentando apoiar as pessoas, ajudá-las a enfrentar esses momentos difíceis. É o país delas e queremos mostrar que a igreja está com elas. Católicos, ortodoxos, protestantes, evangélicos — todos colaboramos”, disse o padre Alanis. “Participei de reuniões com eles e até com o novo presidente sírio. Mas reconstruir este país levará muito tempo.”
Líbano
Ao mesmo tempo, a Igreja Cristã Maronita, originária do Líbano, está vendo sua comunidade encolher rapidamente. “Os cristãos representavam 75% da população em meados do século XX. Hoje, somos em torno de 30%”, disse o padre Antoine Douaihy, um pároco maronita.
O responsável pela paróquia maronita de Jerusalém aponta que migração, colapso econômico, casamentos mistos e baixas taxas de natalidade contribuíram para a mudança.
“Muitos maronitas não mantêm a tradição após o casamento, seja com outros cristãos ou até mesmo com muçulmanos”, explicou. “Além disso, o Líbano ainda garante certa liberdade religiosa”, lembra o padre Douaihy. “O governo reconhece oficialmente 18 comunidades de fé. A presença e a resiliência dos cristãos libaneses tranquilizam outros na região.” O mesmo ocorre em Jerusalém, onde “cada denominação tem seu próprio local de culto, e a maioria do clero respeita os demais. Afinal, Jerusalém é sagrada para todos nós.”
Israel
Embora extremistas ocasionalmente ataquem líderes religiosos cristãos, as relações são majoritariamente pacíficas em Israel.
No entanto, a situação em Belém, distante apenas 30 minutos de Jerusalém, é bem diferente. Situadas nos Territórios Palestinos, de acordo com Sabella, sua população cristã diminuiu para cerca de 22.000, dentre os cerca de 100.000 habitantes da cidade. Isso inclui membros das comunidades de ortodoxos gregos, católicos latinos, siríacos, coptas e armênios.
Territórios Palestinos
A situação mais difícil é a dos cristãos palestinos em Gaza, que diminuíram rapidamente desde o início da guerra atual. Estima-se que eram 3.000 e são menos de 600 pessoas agora. A maioria se refugiou em igrejas para fugir dos conflitos.
Egito
De acordo com Pacini, o vizinho Egito oferece aos seus cristãos uma certa estabilidade. "Nos últimos 10 anos, os cristãos, particularmente os coptas, se beneficiaram de leis mais conciliatórias sobre a construção de igrejas e de maior visibilidade pública."
Crescimento dos evangélicos
O cristianismo na região está dividido em quatro grupos distintos: as antigas igrejas ortodoxas orientais, as igrejas católicas orientais (como maronitas), a Igreja Católica Latina e as comunidades evangélicas.
“Imigrantes vindos das Filipinas, da Índia e da África formam congregações crescentes. Eles aumentaram, consequentemente, o número de cristãos na região”, explicou ele. “Em países como Emirados Árabes Unidos e Omã, também surgiram novas estruturas legais para minorias religiosa, em especial católicos e evangélicos.”
Petra Heldt, diretora da Fraternidade Ecumênica de Pesquisa Teológica em Israel, admitiu que os evangélicos ainda são minoria na região. “Muitos são apoiados por igrejas do exterior”, explicou ela. Em lugares como o Irã, o cristianismo cresce na clandestinidade. “Ninguém lhe dirá os números. Mas a fé está se espalhando silenciosamente, pela oração. Oficialmente, os evangélicos se mantém invisíveis.”
Em Israel, os evangélicos expressam sua fé abertamente, de acordo com Heldt. Eventos como a Festa dos Tabernáculos e cultos no Jardim do Túmulo em Jerusalém reúnem milhares de pessoas em celebrações públicas todos os anos.
“Os evangélicos atraem aqueles que buscam fé pessoal e simplicidade. Eles estão preenchendo as lacunas deixadas pelas igrejas históricas", explicou Heldt, acrescentando que, esse grupo atrai geralmente as gerações mais jovens.
Ela também observou que existem movimentos claros na região. "Quando os cristãos são perseguidos, não importa a qual igreja você pertença. Estamos unidos em Cristo e precisamos mencionar o grande problema: o islamismo quer expulsar o cristianismo da região, como aconteceu com os judeus."
Páscoa é momento de união
Em uma parte do mundo fragmentada por guerras, política e perseguição, a celebração da Páscoa acabou sendo um raro símbolo de unidade. Dos bairros em ruínas de Aleppo aos becos de Belém, dos telhados de Jerusalém às casas subterrâneas no Irã, os cristãos se mantêm firmes na fé.
“A mensagem da Páscoa é esperança”, disse o Padre Alanis. “Sim, carregamos nossas cruzes — não apenas aqui, mas em todo o mundo. Todos temos cruzes para carregar, mas a ressurreição nos lembra: este não é o fim. Não estamos sozinhos.”
O padre Douaihy concordou: “É lindo ver todos os cristãos celebrando a Páscoa juntos este ano. Mas mais importante do que o calendário é o chamado ao amor — amar uns aos outros e respeitar as igrejas uns dos outros”.